Quando abri a carteira, cinquenta reais era a única coisa que tinha além das míseras moedas de dez centavos, que não deviam chegar nem a dois reais. Fui gastando e gastando sem me dar conta do quanto poderia ter gasto. E agora? O que faria? Ainda não tinha deixado meu preconceito de lado e boa parte do orgulho. Nem morto falaria para aquela garota de programa, que eu não tinha dinheiro para pagar a minha parte na conta. Seria humilhante! Era só ligar para meu assessor, explicar a situação e pronto, viria correndo me buscar. Coloquei a nota e o papel em cima da mesa. Pegou-os e foi até o balcão. Abri o maço… Seis cigarros. Daria para fumar enquanto esperava minha carona. Levantei-me e acendi o primeiro.
– Pronto, conta paga.
– Foi uma boa conversa. – sorri amistoso. – Embaralhou um pouco mais minha cabeça, mas, creio que pra melhor.
– Isso, continua pensando. – disse enquanto nos despedíamos com um beijo em cada lado do rosto. – Continua mesmo! – sorriu.
– Pode ficar tranquila quanto a isso.
– Vai pra qual direção? – pergunta enquanto vasculhava algo na bolsa.
– Vou pegar o metrô. – minto.
– Ah, que bacana, eu também.
Péssima ideia. Não tinha como imaginar que também fosse pegar o metrô. Pensei que morava ali por perto ou que pegaria ônibus, nunca o metrô, que poderia, talvez, ser o mais óbvio se não estivesse tão preocupado e com a cabeça em tantos lugares.
– Vamos? – diz laçando meu braço direito com o esquerdo.
Fiquei sem reação. Sorri desconcertado e começamos a caminhar.
– Você parece ser uma pessoa bem bacana, por mais que tenha conhecido só o seu problema e nada sobre ti.
– Obrigado. – olhava o chão enquanto me concentrava em encontrar saída de mestre, que não fosse a de sair correndo do nada. Imagina a cena.
– Eu tenho vinte e cinco anos… E você, Logan?
– Vinte e nove.
– Legal, eu gosto de homens mais velhos. – brinca aos risos.
– Acho que vou de táxi. – digo ao ver um passando no outro lado da rua, como se fosse boa saída. Saída de amador.
– Pra quê? Vai sair mais caro e metrô é bem mais rápido. – solta meu braço. – Ou está com vergonha de ser visto com uma garota de programa?
– Não! – digo com os olhos arregalados e balançando as mãos. – Já tinha até me esquecido disso.
– É o que está parecendo.
Realmente era o que parecia, pelo fato dela saber que até antes da nossa conversa, o meu preconceito era grande… Enorme… Gigante! E de continuava, mas os pensamentos estavam tão embaralhados que não havia pensado naquilo.
– A verdade, Carla… – respiro fundo e desvio o olhar. – É que aquele cinquenta era a única coisa que eu tinha na carteira. – assumo envergonhado.
– E por que não disse antes?
– Preconceito.
– Você é bem idiota mesmo, hein, garoto. – assentia com a cabeça. – Ficou com vergonha de dizer pra uma mulher, que estava sem grana, quando ela já tinha lhe dito que iria rachar a conta contigo. Podia muito bem tirar sua passagem e dizer o quanto tinha de verdade.
– Pois é. – bufo. – Me perdoa.
– Vou levar em consideração que, a partir de hoje. – enfatizou o “hoje”. – Você vai diminuir cada vez mais esse seu preconceito escroto. – sorriu. – Certo?
Confirmo com a cabeça.
– Não esperava mesmo que fosse mudar radicalmente da noite pro dia. E por mais que já tenha me insultado várias vezes hoje com esse seu preconceito, vou apostar nisso. – me deu um beijo estalado no rosto. – Eu te dou a grana… É uma forma de, como defensora das garotas de programas… – ergueu o braço livre no ar. – Te mostrar que somos mulheres legais e interessantes como qualquer outra.
– Está sendo tão legal comigo… – não tem como descrever o quanto estava envergonhado com a boa lição de moral que estava recebendo. – Nem sabe se realmente mereço.
– Isso você vai me mostrar com o tempo. – esfrega meus ombros.
– Como assim? – olhei-a sem entender.
– Amanhã ou depois, nos encontraremos novamente, aí você vai me contar se encontrou com ela de novo, como está lidando com isso e vamos dar uma volta no calçadão. Combinado? – estendeu a mão.
– Com certeza. – apertei firme. – Vou voltar aqui amanhã pra te pagar.
– Não precisa.
– Faço questão! E nem vem com essa de que quero pagar só por você ser garota de programa e blábláblá, senão você que estará sendo preconceituosa. – brinco. – Faria questão até se fosse meu melhor amigo.
– Então está combinado. Amanhã, certo?
– Sim! Você está todo dia por aqui?
– De segunda a segunda minhas noites e madrugadas são por essas bandas.
– Me dá seu número pra combinarmos melhor.
Abriu a bolsa, tirou papel e caneta.
– Aqui está. – entregou-me e guardou a caneta na bolsa.
– Patrícia? – olhava para o papel. – Não era Carla?
– Carla é meu nome na noite. – fez careta. – Já que agora seremos amigos, meu nome de batismo é Patrícia.
E demos boas risadas. Ela da situação e eu imaginando se Dominique também não seria nome da noite. Não tinha como me desprender totalmente do meu pessimismo. Seria mudança extremamente radical para mim, que gostava de parar para pensar e analisar os fatos.
Acabou que ela não iria pegar o metrô. Só tinha dito aquilo, pois tinha reparado que a nota de cinquenta era filha única. Despedimo-nos e fiquei de ligar no dia seguinte, para nos encontrarmos novamente. Peguei o metrô começando a ter outra visão sobre garotas de programa e já desprezando, de certo modo, a forma como estava vendo e lidando com a situação. Vi bem, mais do que sabia, como nem tudo é o que aparenta ser. Somos quem podemos ser independente do que fazemos ou do que deixamos de fazer. No fim das contas, estava fazendo o que mais desprezo que façam… Julgar meu livro pela capa.